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Boas práticas de simulação computacional para equipes de competição

Ensino & Pesquisa Fluidodinâmica Estrutural

A simulação computacional é uma ferramenta que vem se tornando fundamental para qualquer engenheiro. É por isso que o setor acadêmico da ESSS desenvolveu uma parceria com universidades para difundir o uso de ferramentas de simulação CAE (Computer Aided Engineering) na vida acadêmica dos futuros profissionais de tecnologia. Dessa maneira, a simulação começa a fazer parte dos conhecimentos dos engenheiros já no início da carreira, tornando-os mais aptos para o mercado de trabalho e possibilitando a inovação tecnológica. 

Atualmente, a ESSS possui parcerias com mais de 100 equipes de competição das universidades do Brasil e do mundo, oferecendo licenças acadêmicas das ferramentas Ansys e potencializando os recursos das equipes para que possam desenvolver projetos excepcionais. Entre eles, destaca-se o Baja SAE, desafio criado para estudantes de Engenharia que consiste na criação de um projeto e no desenvolvimento de um veículo off road para aplicar na prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula.

Como forma de fortalecer ainda mais esse modelo de parceria, nosso setor acadêmico mantém contato com as equipes de competição clientes da ESSS para auxiliá-las com impedimentos recorrentes e sanar as dúvidas mais frequentes encontradas durante o uso de ferramentas CAE

Baseado em um levantamento de dados feito com as equipes parceiras, este post tem o objetivo de oferecer dicas de simulação estrutural (FEA) e simulação fluidodinâmica (CFD) utilizando  boas práticas das ferramentas Ansys para acadêmicos.

Ansys Mechanical para simulações estruturais (FEA)

Um estudo muito comum, principalmente para equipes de Baja SAE, é a análise do projeto de chassi. Para melhorar a eficiência das simulações a serem realizadas com o modelo de chassi, uma operação bastante útil é transformar o modelo CAD (Computer Aided Design), que geralmente é constituído de tubos, em elementos de viga, com intuito de simplificar o esforço computacional durante a simulação, oferecendo um resultado satisfatório. Tal operação pode ser realizada selecionando todos os tubos do modelo 3D e clicando na opção “extract/extrair”, no menu “Prepare/Preparar”, do Ansys SpaceClaim, conforme indicado na figura abaixo.

Os perfis tubulares são reconhecidos pelo SpaceClaim e salvos de acordo com suas características no painel à esquerda. Isso permite manter a fidelidade das características físicas do protótipo durante a simulação. Ainda, é possível editar os perfis extraídos ou criar novos. A alteração dos perfis obtidos automaticamente para um novo perfil tubular pode simplificar a simulação, de modo que esse novo perfil seja aplicado a toda a estrutura. Cabe ao usuário avaliar se tal mudança não comprometerá a validade dos resultados a serem obtidos.

A representação do modelo 3D é modificada para uma estrutura em linhas, que representam os elementos de viga, porém, ainda carregam as propriedades dos perfis tubulares. 

É comum existir a necessidade de reparar alguns detalhes após a operação de extração de perfis. Para isso, deve-se realizar um procedimento secundário de conexão.

Ao selecionar a ferramenta “connect/conectar” e indicar a distância máxima para a busca de lacunas – que configuram regiões de potencial reparo – os resultados encontrados serão destacados em vermelho nas regiões que potencialmente necessitam tal reparo.

O usuário deve revisar as indicações encontradas pelo software e selecionar manualmente as regiões em que há intenção de serem conectadas, pois é possível que o SpaceClaim identifique regiões em que não se deseja criar uma nova conexão.

Ao fim do processo, recomenda-se utilizar a ferramenta “share topology” para unificar a geometria e prepará-la para o processo de simulação no Ansys Mechanical.

A seguir, são apresentadas orientações básicas para simulação de testes estruturais comumente realizados pelas equipes a fim de avaliar questões de segurança do chassi desenvolvido.

Teste de impacto frontal

Recomenda-se utilizar restrições fixas na região central do chassi, distribuídas de modo simétrico em relação ao eixo longitudinal, sendo suficientemente adequada para este caso, não havendo necessidade de restringir a região mais traseira do chassi. A força, entretanto, é aplicada na entidade geométrica mais frontal do modelo e direcionada ao centro do chassi, de modo a simular, de fato, um impacto idealmente frontal.

Teste de impacto lateral

No teste de impacto lateral, as restrições devem ser aplicadas apenas em um dos lados, em todas as entidades estruturais laterais da região entre-eixos. 

A força é aplicada no lado oposto ao restrito, podendo ser em apenas uma entidade geométrica, desde que a geometria do chassi possibilite selecioná-la de modo que a mesma não faça conexão direta com outras regiões do chassi que não façam parte da região lateral. Ou então, como o caso da figura abaixo, não havendo uma região lateral isolada, deve-se selecionar todas as entidades que constituem a região, pois as mesmas se unem em um vértice. Um erro comum, aqui, seria aplicar a força neste vértice.

Teste de torção

Outro teste bastante comum é o teste de torção, que, por sua vez, possui algumas peculiaridades. Geralmente, esta simulação é utilizada para avaliar índices de rigidez torsional do chassi. A recomendação, para este caso, é de restringir um extremo do chassi e aplicar uma torção no outro, oposto; no entanto, essa restrição, diferente das anteriores, deve ser do tipo “simply supported”, de modo a permitir rotação, sem resistência de momento. 

As forças são aplicadas em sentidos opostos no intuito de configurar um modelo de torção, em vértices correspondentes ao lado de cada força na região do chassi oposta à restrição. Ou seja, utilizando a figura de exemplo abaixo como referência, as forças são aplicadas em uma região frontal do chassi caracterizada pela geometria similar a um cubo; portanto, a força com sentido para cima é distribuída nos quatro vértices à esquerda, enquanto a outra força, com sentido para baixo, é distribuída nos quatro vértices do lado oposto.

Ansys Fluent para simulações fluidodinâmicas (CFD)

Simulações fluidodinâmicas são realizadas majoritariamente por equipes de Fórmula SAE, no intuito de avaliar a performance aerodinâmica de seus protótipos ou a eficiência de seus sistemas de arrefecimento. Apresentaremos aqui algumas dicas de simulações aerodinâmicas realizadas no Ansys Fluent – software de CFD (Computational Fluid Dynamics) da Ansys mais utilizado por membros de equipes de competição.

Pré-processamento

A fim de otimizar o processo, simulações fluidodinâmicas geralmente requerem preparo de geometria de modo a simplificar certos detalhes estruturais. No caso de um protótipo de equipe de competição, por exemplo, não há necessidade de manter a geometria tubular do modelo de chassi durante a análise CFD. As entidades tubulares devem ser simplificadas em linhas e, a partir do modelo simplificado, criar superfícies que conectam o modelo, no intuito de transformar o chassi em um corpo sólido fechado. Isso é recomendado porque essa modificação possui o potencial de diminuir consideravelmente o esforço computacional necessário para a simulação, ao mesmo tempo que tende a apresentar resultados bastante próximos do modelo original, mais complexo, mesmo com uma malha mais simples, devido à simplificação de geometria.

Para obter o modelo mencionado a partir de um modelo de chassi tubular, deve-se, inicialmente, realizar o mesmo procedimento de extração de perfis tubulares para elementos de viga, descrito no tópico acima. Após essa etapa, deve-se utilizar a ferramenta “fill/preencher” para criar superfícies entre as linhas do modelo e transformá-lo num corpo fechado. Para isso, basta selecionar as linhas que constituem o perímetro da superfície a ser criada e finalizar clicando no checkmark verde. O procedimento deve ser realizado separadamente para cada uma das superfícies. 

Após concluir a etapa de criação de superfícies, o modelo deve se assemelhar à figura abaixo. Em seguida, é necessário utilizar a ferramenta “stitch/costurar”, para garantir que o modelo em casca seja transformado em sólido. Selecione todas as superfícies criadas e clique na ferramenta indicada. 

A criação de um sólido se dá automaticamente em seguida ao processo de costura das superfícies e o modelo deverá ter o aspecto da figura a seguir – corpo sólido.

Uma vez obtido o chassi em formato de corpo sólido, o mesmo pode ser acoplado com os subsistemas restantes do protótipo como carenagem, asas, pneus, rodas etc. através de operações de união em ferramentas de CAD, até obter-se o modelo completo do veículo preparado para a simulação em CFD.

Outra dica importante no preparo de análises CFD deste tipo é aproveitar-se da simetria do modelo para desenvolver a simulação utilizando apenas um dos lados do veículo. Aplicando corretamente as condições de simetria, exige-se menos esforço computacional durante os cálculos e os mesmos resultados são atingidos de uma maneira mais eficiente. O Ansys possui opções prontas de reconhecimento de simetria em seus módulos, basta selecionar “symmetry” ao aplicar condições de contorno no local de simetria desejado.

Refino de malha

A malha de um modelo é o principal fator determinante para o resultado adequado de uma simulação CFD. O refino de malha é um cuidado recomendado para ser utilizado em regiões com detalhes delicados e que apresentam grande potencial de interferência no resultado a ser obtido por CFD.

A partir de um modelo de protótipo FSAE pronto para a simulação, com o domínio da região de escoamento já devidamente elaborado, a recomendação é criar regiões de refino de malha próximas ao veículo e, também, na traseira, região em que o comportamento do escoamento é caótico, devido à perturbação criada pela interação do fluido com a geometria do veículo. O refino de malha pode ser criado através da opção “body of influence”, disponível através da ferramenta “Add local sizing”, apresentada por padrão na árvore de trabalho do Fluent Meshing. A malha devidamente refinada deve apresentar um aspecto semelhante à figura abaixo. O modelo do veículo encontra-se na região central do domínio, direcionado no sentido negativo do eixo X, porém, não observável na figura devido à pequena dimensão dos elementos criados a partir do refino de malha.

Recomenda-se, também, utilizar uma malha adequada para regiões de desenvolvimento da camada limite. Para isto, deve-se utilizar as ferramentas de “inflation” ou a opção “add boundary layer”, disponível no Fluent Meshing, nas regiões referentes à geometria do protótipo analisado. Os parâmetros envolvendo número de camadas, razão de crescimento e razão de transição podem ser alterados até obter-se um valor de y+ adequado para a simulação. Lembrando que os valores indicados de y+ se alteram de acordo com o modelo de turbulência utilizado. A aplicação do refino de malha nas regiões de camada limite pode ser observada na figura abaixo, no contorno do bico do protótipo utilizado como exemplo.

Análise de resultados

É importante compreender que uma simulação CFD, apesar de apresentar convergência em sua solução final e resultados próximos do esperado, não necessariamente reflete a performance real do modelo físico. Isso se deve porque o resultado da simulação é calculado de acordo com a malha elaborada no modelo importado. Se o modelo elaborado no CAD não possuir alta fidelidade ao modelo físico real, ou então, se a malha estiver demasiadamente grosseira, a convergência é atingida para este modelo, mais grosseiro e não fiel ao real. Portanto, é necessário comparar resultados de modo a encontrar algum tipo de validação; preferencialmente, uma simulação CFD deve ser sempre acompanhada de validações com modelos físicos. Uma alternativa para adquirir credibilidade apenas com ferramentas computacionais é fazer um estudo de convergência de malha. No entanto, apesar deste atribuir robustez à análise, reitera-se que, idealmente, isso não exclui a necessidade de posterior validação física. 

O estudo proposto consiste em criar malhas com diferentes níveis de refino (e consequente número de elementos de malha) e avaliar a diferença de resultados obtidos em uma determinada variável. Neste caso de simulação aerodinâmica, pode-se utilizar, por exemplo, valores de “cd” (coeficiente de arrasto) ou “cl” (coeficiente de sustentação) como parâmetro comparativo. Cada simulação com diferente nível de malha, potencialmente apresentará diferentes valores de tais variáveis. Os valores obtidos podem ser plotados em um gráfico a fim de analisar a diferença entre os números de uma simulação para outra. O processo é repetido múltiplas vezes, refinando a malha cada vez mais, até o momento em que o resultado obtido na variável escolhida é insignificante, de acordo com o julgamento do analista. A partir do conceito de convergência, entende-se, portanto, que a simulação garante convergência de malha.

Ademais, é importante mencionar que a convergência de uma variável obtida no resultado da simulação é mais relevante que a convergência de resíduos. Isso se deve porque a variável escolhida representa diretamente as características do modelo geométrico utilizado, enquanto que os valores de resíduos representam indicadores gerais da simulação e não particulares a cada caso.



CAE Applications Intern at ESSS

Graduando de Engenharia Mecânica pela UFSC, atualmente realiza estágio profissional na ESSS. Foi membro da equipe de competição Ampera Racing, onde fundou a área de Aerodinâmica, desenvolveu conhecimentos em CFD de forma autodidata e participou das finais em competições nacionais e internacionais.


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